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Crack, que droga é essa?

O pesquisador Lúcio Garcia de Oliveira, graduado em Biomedicina, mestre e doutor em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo fala sobre Crack, droga que foi tema das pesquisas que realizou em colaboração com o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID). Na entrevista, o especialista aborda questões como comportamento, prevenção, dependência, recuperação e de como os pais podem ajudar. Não deixe de ler...

Sobre o crack

O crack é uma dentre as várias formas de apresentação da cocaína. A cocaína é extraída das folhas da planta de coca, naturalmente encontrada nos países andinos. Após colhidas, essas folhas são submetidas a inúmeras etapas de extração, até que atinjam a forma de cloridrato de cocaína, comumente conhecido por pó ou farinha, sal solúvel em água, que pode ser administrado por via oral, intranasal (aspirado) e endovenosa (injetável). A pasta de coca e a merla são as etapas prévias à obtenção do pó. Já o crack é obtido através do tratamento da pasta de coca ou do pó.

Como o crack não é um sal, não é solúvel em água, logo, não pode ser ingerido, aspirado e tampouco injetado, restando ao crack ser fumado e absorvido pela mucosa pulmonar. Mas, atualmente, o tema a respeito das vias de administração de crack é bastante controverso, tendo sido relatadas consideráveis mudanças na Europa e nos EUA. Já se tem conhecimento a respeito da forma injetável de crack, porém, para que a atinja, é necessário que seja submetido a uma série de etapas de tratamento.

No início dos anos 90, na cidade de São Paulo, era comum que o usuário preparasse sua dose de crack, porém, atualmente, os traficantes comercializam-no já pronto e na forma de pedras, que são vendidas por tamanho ou peso. Conforme o tamanho há 2 variedades, a pedra de 5 reais e a de 10. Já pelo peso, o crack é vendido por grama, cujo valor varia entre 20 e 30 reais. Em contraposição, a cocaína em pó é vendida em "papelotes", a 10 reais cada, variando a quantidade de acordo com o ponto de venda.

Segundo os usuários, o crack é a droga de mais fácil acesso. É vendida em espaços urbanos e geralmente dentro de favelas, nas bocas de fumo, bocadas ou biqueiras.

Se comparada ao pó ou até mesmo a outras drogas, a princípio, a aquisição de crack é mais barata, por seu baixo custo por unidade. Mas, como o crack é fumado e absorvido pela via pulmonar, atinge a corrente sanguínea e o encéfalo rapidamente, logo, seus efeitos são de início imediato, mais intensos e breves em duração, levando o usuário a re-administrá-lo a cada 5 ou 10 minutos, tornando seu custo maior do que o pó, cujos efeitos duram de 30 a 45 minutos.

O crack na hierarquia das drogas

Antes de chegar ao crack, é comum que o adolescente/jovem tenha tido contato e histórico de uso de outras drogas. Assim, sabe-se que o álcool e o tabaco são as primeiras drogas de uso na vida, ocupando as posições de números 1 e 2, embora não necessariamente nessa ordem. Depois, é comum que se inicie o uso de drogas ilícitas, pela maconha, cocaína e, finalmente, o crack. Entretanto, atualmente, já há relatos de que o crack possa ser a primeira droga ilícita consumida na vida, raramente antecedendo o uso de tabaco e álcool.

Quem estava acostumado a usar outras drogas, depois de iniciado no consumo do crack, tende a desviar todos os recursos financeiros para a aquisição exclusiva de crack. Na falta de recursos financeiros e sob intensa fissura (desejo intenso e incontrolável de uso), o adolescente/jovem usuário dedica-se à realização de atividades ilícitas ou ilegais. Logo, é comum que passe a vender pertences próprios e familiares, a roubar, a enganar e a se prostituir pela droga.

Há, então, uma cadeia considerável de transformações físicas, sociais e morais, muitas vezes em pequenos intervalos de tempo após o início do uso. Assim, raramente o adolescente/jovem usuário de crack morre pelos efeitos da droga, mas em função do estilo de vida que adota após iniciado o uso dessa droga. Então, é comum que se envolva em golpes financeiros, assaltos, sequestros, homicídios, colocando sua liberdade e vida em risco.

Porém, esse comportamento não é regra. Assim, não podemos estereotipar o usuário de crack e tampouco alimentar preconceitos sociais contra eles. Há relatos da existência de usuários controlados que conseguem manter o poder de decisão sobre a droga, tanto em relação à frequência como à quantidade de uso, nos dias de consumo, diminuindo, dessa maneira, as implicações individuais e sociais decorrentes do emprego de crack. É possível que o padrão de consumo seja influenciado pela variabilidade genética do indivíduo, entretanto, como saber se você é um usuário controlado, sem passar pela experimentação e por todos os riscos associados ao uso de crack? Então, como o próprio ditado diz, "é melhor prevenir que remediar".

Efeitos do crack

Seus efeitos são divididos em duas grandes categorias, os psíquicos e os físicos. Os psíquicos são divididos em positivos (ou agradáveis) e negativos (ou indesejados). Comumente, os efeitos positivos são sensações intensas de prazer, sendo relatadas como uma desconexão do mundo real, uma sensação de ausência de problemas e comparadas a estado semelhante ao orgasmo sexual, porém, potencializadas em até mil vezes.

São essas sensações de prazer, comumente indescritíveis, que os usuários buscam incessantemente. Porém, nem tudo é um conto de fadas. Os efeitos positivos duram pouquíssimo tempo e são imediatamente seguidos pelos efeitos ditos negativos, que são de natureza desagradável, consistindo em alucinações (de caráter visual, auditivo e táctil), delírios persecutórios, sensações de arrependimento, medo e depressão.

Paradoxalmente, as sensações negativas duram por período de tempo maior, levando o usuário a re-administrar o crack, aumentando seu poder de abuso e dependência. O que desperta a atenção da saúde pública é que, na ausência dos efeitos positivos (que tendem a desaparecer com o tempo de uso, principalmente em função do efeito de tolerância), os efeitos negativos passam a ser compreendidos, pelo usuário, como uma forma de obtenção de prazer, de tal maneira que, após determinado intervalo de uso, passam a apreciar o que inicialmente era nocivo.

Os efeitos físicos são decorrentes da ação estimulante do crack. Os usuários passam a sentir-se ansiosos e a simples recordação do uso do crack ou de seus efeitos causam-lhes distúrbios gastrintestinais como flatulência e diarreia. Além disso, assumem comportamentos estereotipados, ou seja, é comum que movimentem, de forma vigorosa e incessante, membros físicos sem se darem conta, porém, quando conscientes, tampouco conseguem controlá-los.

Sinais indicadores do uso de drogas e do crack em especial

É muito comum que o dependente priorize o uso do crack a qualquer outra atividade social. Há nítido afastamento do entorno social (atividades em família, escola e trabalho) e das atividades de lazer que o adolescente/jovem tanto gostava. As atividades em família tornam-se raras. Até mesmo o círculo de amizades sofre transformação, de tal forma que amizades antigas são substituídas por novos colegas, também consumidores, os quais facilitam o acesso e uso do crack.

Para cumprir com o uso, muitos dependentes passam prolongado período fora de casa, gastando, em média, 3 dias e noites inteiros destinados ao crack. Atividades sócio-sanitárias como alimentação, higiene pessoal e sono são completamente abandonadas, comprometendo o estado físico do dependente.

Assim, o emagrecimento pronunciado e rápido e a aparência de cansaço são comuns entre os usuários de crack, bem como o aparecimento de queimaduras e bolhas no rosto, lábios, dedos e mãos, geralmente, em função da alta temperatura necessária à queima da pedra. Soma-se a isso, o fato de que, quando intoxicado, o dependente apresenta comportamentos de estereotipia, acompanhados de intensa protrusão do globo ocular. Outro indicador de relevância é a venda de bens familiares e de pertences pessoais pelo dependente, geralmente empregados como moeda de troca por crack.

Porém, esses são indicadores que isolados não apontam ao uso do crack. Além disso, é importante lembrar que além do consumo compulsivo há o uso controlado que não necessariamente deixa marcas ou resquícios. Assim, é preciso vigilância, já que, uma vez em uso, o adolescente/jovem usuário de crack precisa de muita atenção e apoio para superar a dependência.

Tratamento / Recuperação

Sim, existe recuperação. O crack é uma droga de alto poder indutor de abuso e dependência, mas está longe de ser o fim da vida e tampouco um caminho sem volta. Infelizmente, até o presente momento, tratamentos medicamentosos para a dependência de cocaína e crack ainda não existem, logo, a recuperação baseia-se exclusivamente na abstinência, ou seja, na cessação completa do consumo, dependendo muito da força de vontade do próprio dependente. Nos dias de hoje, emprega-se o regime de internato, geralmente por período de 6 meses, como o meio de alcance da abstinência, porém, infelizmente, a recidiva do comportamento continua sendo o resultado mais frequente.

Em minha opinião, independentemente da técnica ou método de recuperação, o sucesso do tratamento depende do próprio dependente, de tal forma que, sem compromisso não há recuperação. É preciso que o dependente conscientize-se sobre as consequências, perdas e privações sofridas por causa do crack, precisando enxergar a situação real do crack em sua vida, caso contrário, não há trato e tampouco compromisso à recuperação. É preciso ressaltar a importância do tratamento psicoterápico e apoio familiar no "despertar" do dependente, tornando mais fácil o sucesso de uma possível intervenção. Além disso, o tratamento médico é indispensável, devendo ser iniciado logo da descoberta da existência da dependência do crack.

Como os pais podem prevenir o uso de drogas? E, se o problema já existe, qual a melhor maneira de lidar com a situação?

A resposta é: apoio e atenção. O adolescente e o jovem precisam sentir-se acolhidos e sentirem-se parte integrante da família e de seu quotidiano. O interesse dos pais na vida de seus filhos é de extrema relevância. Nunca é demais perguntar a seu filho como tem se sentido, como tem sido seus dias, sobre o desempenho escolar, as amizades, entre outros.

Além disso, os pais e familiares precisam informar os adolescentes e jovens sobre drogas. É preciso que transmitam informações completas a respeito do tema. Não adianta falar que droga faz mal e mata, é preciso ressaltar que além dos efeitos negativos e das graves consequências de vida geradas, a droga causa, num primeiro momento, efeitos de prazer e recompensadores. Deve ser relatado que, a princípio, embora o uso seja prazeroso, gera problemas a longo-prazo. Se o problema já existe, o apoio familiar novamente é imprescindível. É importante aconselhá-lo e despertá-lo para as consequências e perdas decorrentes do consumo. E como dito anteriormente, o tratamento médico e psicológico são indispensáveis, desde o momento da descoberta da dependência do crack.