Um dos mais profundos estudos brasileiros sobre a insegurança alimentar presente no Brasil foi feito por Josué de Castro. Seus livros foram traduzidos em 25 idiomas e sua luta contra a fome lhe rendeu duas indicações para o prêmio Nobel da Paz.
Em seu livro Geografia da FomeCivilização Brasileira, 2001. (1946), o estudioso apontava a relação da fome com características climáticas, culturais e do solo, próprias de cada localidade, e principalmente com concentração de terra na mão de poucas pessoas. E denunciava: “Interesses e preconceitos de ordem moral e de ordem política e econômica de nossa chamada civilização ocidental tornaram a fome um tema proibido, ou pelo menos pouco aconselhável de ser abordado”.
Sobre a situação atual da fome no Brasil não há dados disponíveis. Os mais recentes são de 2004, reportados no
relatório do IBGE de 2006PNDA-Suplemento: Segurança Alimentar (www.ibge.gov.br). A pesquisa revelou que:
• 60,2% dos moradores em domicílios particulares - o equivalente a 109 milhões de pessoas - estavam em situação de Segurança Alimentar, ou seja, tinham acesso aos alimentos em quantidade e qualidade adequadas e não se sentiam na iminência de sofrer qualquer restrição no futuro próximo;
• os outros 39,8%, o equivalente a 72 milhões de pessoas, viviam em condições de Insegurança Alimentar (IA) leve, moderado ou grave;
• nos domicílios classificados como IA grave, 14 milhões de pessoas conviveram com a experiência de passar fome, com a frequência que pode ter sido “em quase todos os dias” ou “em alguns dias”, nos 90 dias que antecederam à data da entrevista. Essa situação, segundo o relatório, está relacionada à falta de recursos dos moradores para a aquisição de alimentos;
• a IA moderada (restrição na quantidade de alimentos) atingia 26 milhões de pessoas e a IA leve (restrição na qualidade dos alimentos consumidos), 33 milhões;
• a proporção de segurança alimentar diferia conforme o rendimento domiciliar mensal: a prevalência da IA grave era substancialmente maior nos domicílios com rendimentos per capita de até 1 salário mínimo.
No que se refere à insegurança alimentar por região, os dados do relatório - ilustrados no gráfico - ratificam a conhecida desigualdade entre as regiões brasileiras:
• no Sul do Brasil, mais de 75% dos domicílios tinham garantido seu acesso à alimentação, tanto em termos qualitativos quanto quantitativos;
• no Norte e Nordeste isto ocorria para cerca de 50% dos domicílios, sendo que nessas duas regiões a restrição quantitativa grave de alimentos (IA grave) ocorria em 10,9% e 12,4% dos domicílios, respectivamente;
• comparando com a situação dos domicílios do Sul, a prevalência de IA grave no Norte e Nordeste foi 3,1 e 3,6 vezes maior. Das quase 14 milhões de pessoas moradoras em domicílios brasileiros em condição de IA grave, no período de referência da pesquisa, cerca de 7 milhões, ou seja, 52% residiam no Nordeste.